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Mostrando postagens de março, 2014

Uma Conversa de 90 anos - As Saúvas da Minha Avó

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    - Chega de durmir seu zé-preguiça. Quero conversar.   Foi mais ou menos assim, de um jeito delicado e carinhoso que ela me acordou. Estava curtindo o colo de avó na sala. De todos os hábitos de infância, creio que seja um dos únicos que mantive: curtir um colo da avó. Mas ela queria conversar. - Hum... oi vó. Como você está? - Bem, mas com saudade da granja.   É verdade, havia uma semana que ela veio do interior para fazer alguns exames de rotina. E, em suas próprias palavras, ficar “tanto tempo assim” longe de sua casa era uma pesar.   - Falando nisso, como estão as coisas na granja? Plantando muito? - Que nada meu filho – “Ora bolas”, pensei, ela chama os netos de “filho” – estamos com uma peste de saúva.   Saúva, para os ignorantes urbanos, é uma formiga gulosa. Ela come tudo que vê pela frente, além de ter um ferrão maldoso e agourento. Deixa uma coceira no pé que não é brincadeira não...   - E por que vocês não colocam veneno? – Perguntei, logo eu, um entre tantos ignorantes u

Uma Conversa de 90 Anos - Eu Acredito

    - Sabe meu filho? – Lá vinha vovó com um sorriso misterioso e engraçado estampado na face – Vez por outra, vem uma pessoa bem simpática e me fala que estou jovem. - Oxe vó, mas quantas senhoras da sua idade você vê por ai ativas? – O problema da “juventude” é falar demais... Ela ignorou este meu comentário e continuou a falar. -  Quando falam que estou jovem, acredito como se fosse verdade! Adoro elogios. Mas sei que não sou uma sombra do que já fui. Aliás, todo mundo. Mesmo assim, acredito como se fosse verdade!     Mais uma vez, retruquei com o melhor comentário que poderia fazer: meu silêncio.     “Acredito como se fosse verdade”

Uma Conversa de 90 Anos - A Cheia

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Outro dia destes, estava conversando com minha avó de quase 90 anos: frivolidades, o tempo a cor do sofá, o último médico que ela foi, o encontro da terceira idade etc. De repente, ela me falou: - Gostaria de um retrato de vocês pois, na última Cheia... Fazia algum tempo, sua cidade havia pago um pedágio enorme para a Mãe Natureza: o rio encheu demais, subiu demais e destruiu demais. A cidade ficou em pedaços. Foi uma Cheia com letra maiúscula. Era necessário muita força e paciência para caminhar devido ao mar de lama. As águas subiram até o telhado das casas. Arrastaram tudo que encontraram no caminho. Apareceu até na TV da França. Lembro disto pois estava voltando de uma viagem por lá. Disseram que havia formado uma cratera tão grande que uma carreta, daquelas de trocentos eixos e milhões de pneus Goodyear ou Firestone, foi engolida. Na época, fiquei com pena. A cratera, antes de engolir o caminhão, extinguiu uma bonita praça perto da casa da minha avó. Depois que vi o real estrago d

O Varal

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Pequenos prazeres na vida podem aumentar sua qualidade de existência de uma forma imensurável. Sabe como? Só vivendo para descobrir. Mas outro domingo destes fui agraciado com um belo exemplo de algo que se vem se mostrando paciente professor: o destino. Faz 1 ano, exatamente 1 ano. Ok, talvez aproximadamente. Mas este é o tipo de expressão que traz drama para o texto. Chega de drama na vida? Então vou recomeçar. Faz um ano, ou algo assim. Porém faz tempo o suficiente para já ter me incomodado bastante. Não te condeno caso não entenda o que estou dizendo. Aliás, ainda não disse nada. Faz um ano e só sei falar disto neste texto. Mesmo assim não disse nada. Há pequenas coisas que podem mudar sua qualidade de vida de uma maneira surpreendente. Exemplos? Um “bom dia” com sorriso é um começo. Um começo batido, já bem desgastado pelo uso, porém, sempre, um bom começo. Chegar na parada e o ônibus estar te esperando. Chegar no metro e ele não atrasar (pasmem, atrasa mais do que o ônibus). Cheg

Não é pelo Carnaval...

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Não é pelo Carnaval. Bom, até é pelo Carnaval, também. Existe uma razão muito maior do que uma simples festa de 4-5 dias. Um dia normal de Carnaval começa com um resmungo. Um devaneio de esperança ao qual todos são submetidos em uma espécie de ilusão coletiva: “iremos cedo para as ladeiras da cidade histórica” é o que dizem. Querer, desejar e ansiar pelos ladrilhos da urbe-irmã-vizinha é algo muito bonito, contudo, é completamente diferente de acordar e ir. Eu, particularmente, nunca consegui. Aplaudo de pé, fantasiado e frevando todos aqueles que, às 8h da madrugada dos dias de Momo, encontram-se sorrindo, produzidos e alegres pelos sobe-e-desce de Olinda. De qualquer forma, quando se chega lá, os lábios espreguiçam-se e correm a acordar na necessidade de formar aquele primeiro sorriso de Carnaval. A mulher-maravilha está logo ali, desfilando ao lado da vovó-maravilha. Hulk, homem-aranha e suas crias. A banda esgolenado-se nos metais. Colegial, hummm. Cerveja, chuva de espuma. A caixa

Forasteiro

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      Quem já saiu da cidade que cresceu conhece bem os desafios, dilemas e oportunidades que o destino oferece. Existe até um trecho de música que fala “Que Deus do céu me ajude, quem foge à Terra Natal, em outros cantos não para, eu só deixo o meu Cariri, no último pau-de-arara”. A gente se muda e muda. Muda muito, perde o medo de sair por ai. Pelo menos alguns. Eu me incluo, ainda bem. Porém, pode chegar um momento que, de alguma forma, acabamos nos fixamos em determinada região. Seja por cansaço, por descaso ou até mesmo por conveniência. Acabamos parando em algum lugar. O destino tem dessas coisas. Não vale nem a pena pensar muito no porquê. Mas acaba-se percebendo, nos detalhes, que as raízes cresceram e daqui a pouco é verão. São nos detalhes que residem a mudança.   Quando alteramos nossos títulos de eleitores, aceitamos que é ali que vamos construir um futuro. Quando encontramos com conhecidos aleatórios na rua, assim meio sem querer, vemos que são nas novas esquinas que o pre