A gentiliza do dia a dia.

Gentileza.

Esta bendita palavra foi pulverizada pelo uso coditano daquele provérbio urbano “gentiliza gera gentiliza”, um triplo g “ggg”. Desculpem, mas foi banalizado. Gentileza não é ideia, não é filosofia. Ela deve ser o fruto de uma relação de amor entre ação e intenção. É um hábito.

Outro pedido de desculpas: desculpem-me, mas se você entrar no mesmo vagão que eu no metrô, tenha certeza, será observado. Tenho essa péssima mania de buscar inspiração no coditiano e seus detalhes. Por favor, não tentem me processar, considerem ser imortalizado em um texto como pagamento suficiente.

Entrou um rapaz, de idade suficiente para ser chamado de jovem-adulto. Nem jovem o suficiente para ser adolescente, nem adulto o suficiente para ser autorresponsável. Entrou empurrando e esmurrando. Pelo menos, filosoficamente estava esmurrando. Acontece que ele queria sentar em um dos escassos bancos da composição e decidiu não esperar os antigos passageiros aportarem em sua estação-destino. Esbaforido e com um olhar de raiva conseguiu o prêmio por seu esforço homérico (teve que empurrar uma senhora): a última cadeira disponível. Era laranja. Quem anda de metrô já deve ter escutado o bordão infinito “senhores passageiros, os bancos de cor laranja são destinados a pessoas com preferência”. Na próxima estação, o jovem-adulto levantou-se com uma voz serena e calma oferencedo o lugar a outra senhora.

Achei digno. A mulher do meu lado também. “Olha lá, isso é gentileza”. Tenho para mim que minha vizinha de banco tem um quê de fofoqueira. O rapaz desceu duas estações depois. Saiu gritando, pois uma multidão tentava invadir o vagão à procura de um banco vazio, assim como ele o tinha feito. Não consegui ouvir direito, mas creio que esbravejou algo do tipo “bando de mal-educados filhos da pu****t*****a”. Assim, sem censura mesmo.

Quando ele cedeu o lugar, apenas tentou pintar um outdoor de si mesmo. Não foi um ato do hábito.

Desenhista: David Revoy

Porém, quem olhou apenas aquela cena, pode o ter achado gentil. Sinceramente? Tenho certeza que deveria estar usando outra camisa (sem o ggg): hipocrisia gera gentileza. Hoje eu desconfio das cenas do dia a dia.

Por outro lado, sempre tenho o hábito de tratar bem o pessoal do telemarketing. Garanto que não perco nem dez segundos a mais por conta disto. Enquanto escrevia este texto, a moça do telemarketing ligou-me. Queria me convencer a assinar TV a cabo. Uma megapromoção de um combo imperdível. Escutei, agradeci, expliquei três vezes, calmamente, o porquê não queria. No final, ela me mandou um beijo.

Voltando ao rapaz do metrô. O corpo levantou, mas e a alma? Será que ela continua sentada nos bancos preferenciais da vida? Estes pequenos gestos são importantes sim, porém, quando são mais do que pequenos gestos. São importantes quando tornam-se um hábito verdadeiro.

Torne a gentileza um hábito e boa semana!

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